10 de dezembro de 2007

Heart of (South) America

Dia 8 de dezembro foi dia de Nossa Senhora da Conceição, mais um dos muitos aspectos da personalidade daquela que deu a luz a Jesus Cristo e padroeira do Recife. Mas o negócio é que eu não sou nem católico e nem estou morando no Recife, então o dia da dita cuja deveria passar completamente batido pra mim. Certo? Não fosse por um pequeno detalhe...

Minha família da parte Freire foi, durante muito tempo, responsável por quase metade dos habitantes do povoado rural de Umburanas, no município de Sertânia, mas muito mais perto da sede do município de Arcoverde. Não eram ricos e tampouco detinham poder político, dedicando-se a prosaicas atividades de agricultura e pecuária básica. Mas eram pessoas, ao que consta, muito religiosas, em especial meu bisavô, que construiu a igrejinha do lugar e a consagrou à santa em questão.

Por isso, a principal atividade religiosa e festiva para os habitantes do povoado, tirando o Natal e o São João (este último por motivos óbvios), era a festa da santa, em louvor da qual se fazia uma pequena procissão em volta do vilarejo, uma novena e uma quermesse. Lógico que meus parentes participavam ativamente dos festejos, que eram também fonte de muita diversão.

Eu fui duas vezes à tal festinha. Da primeira vez, em 1988 (acho), tenho uma lembrança muito vaga. De certeza estava chovendo horrores, e eu aproveitei para sujar minhas lindas botinhas no barro encharcado. Havia muita música e agitação. Meus primos (e que não eram Freire, eram do lado Santos e que não está em meu sobrenome), companheiros de aventura na época, também estavam lá. E segundo minhas tias-avó, mães dos mesmos, parece que na ocasião o que não faltou foi menino pulando no barro ao som de uma bandinha de pífanos.

A segunda vez foi neste final de semana. Serviu para que eu sanasse um pouco da minha nostalgia recente e também para encontrar muitos deste lado da família (Hoje eles estão espalhados por Caruaru, Garanhuns, Recife, Paulo Afonso, Brasília...). E também para que eu visse algo que está cada vez mais morrendo, infelizmente: manifestações sinceras de fé e de uma tradição positiva em rincões escondidos do Nordeste.

A modernização está chegando por aqui, é verdade. Traz benefícios como a luz elétrica (na época do último governo Arraes, quase todos os domicílios rurais do Estado foram ligados à rede elétrica), a água em caráter quase que permanente, a (tímida) melhoria nas escolas... mas também fez com que muita gente se desinteressasse das antigas atividades aglutinadoras daqueles núcleos sociais e buscasse consolo... na garrafa de rum e de cachaça. Sofrem as quermesses, os pastoris, as cavalhadas, as cantorias.

Mas o que eu vi lá ainda tinha muito desse aspecto original e bonito do Nordeste, com as suas casinhas caiadas e de janelas e portas de cores fortes, os terreiros varridos, as bodegas que vendem de tudo e um pouco mais, as comidas artesanais... e principalmente aquela coisa legal e simples, sem pompas nem falsidade, que foi a manifestação religiosa daquelas pessoas. Ri demais com meus parentes que contavam histórias dos "bons tempos", e também com o leilão das doações cujo dinheiro serviria para ajudar a reformar a igrejinha.

Eu brinquei com dawn quando contei a ela essa história, dizendo que daria um documentário premiado dentro daqueles clichês típicos do cinema nacional sobre o Nordeste. Mas agora, pensando bem, se tal filme servisse para preservar as tradições culturais positivas de cada comunidade rural desse país (independente de crença religiosa), acho que valeria a pena. De fato, valeria.

2 comentários:

Unknown disse...

Ah! Nenhum dos filmes que você citou. Isso é Narradores de Javé na veia. E isto é um baita elogio... :)

Unknown disse...

Quer dizer, Narradores de Javé por causa do seu relato, misturado às imagens que ele despertou aqui.