23 de julho de 2007

Como um Cinema

Kino. Em alfabeto cirílico, Кино. Significa cinema, em russo. Mas também é uma das bandas mais interessantes que eu já vi. E com uma história mais do que adequada à sua época.

Eu devo ser uma parte componente da meia dúzia de malucos que provavelmente sabe da existência (nesse caso, existência predecessa) deles aqui no Brasil. Como quem sabe da existência é geek o suficiente pra procurar as letras e a história da banda, então nem me sinto tão solitário em minha geek-ice. Mas na Rússia, pode-se dizer que as coisas são diferentes, no mínimo.

Kino surgiu na União Soviética mais ou menos em 1982, embora se saiba que seu vocalista e cérebro por trás das letras, Viktor Tsoi (um russo-coreano entre os 500 mil que viviam lá na época), esteve ativo na cena pop-rock russa antes disso. As coisas nunca foram exatamente fáceis na União Soviética para as bandas de rock, principalmente nos últimos anos do governo Brezhnev, e durante os governos Andropov e Chernenko. Não que fosse estritamente proibido, mas na prática não recebiam apoio, divulgação, espaço no portfólio da distribuidora estatal Melodiya, e de quebra levavam a pecha de música de maconheiro e baderneiro (já viu algo parecido?). Mas pra tudo, como acontece em situações de exceção, dá-se um jeito.

Rock terminou sendo uma coisa meio underground por lá, principalmente na cidade de Leningrado, hoje São Petersburgo. Os músicos gravavam suas músicas em estúdios improvisados (com equipamentos construídos por debaixo dos panos nas faculdades de eng. eletrônica) e faziam shows que lembrariam aquilo que nós, no Ocidente, costumamos chamar jam session ou acústico. Isso dentro de um apartamento de uma alma caridosa que cedesse o espaço e com pouquíssima gente assistindo, para não chamar atenção da polícia. A exceção era o Rock Club de Leningrado, que realizava um festival anual, e foi onde surgiu o Kino e os sucessos de seu primeiro LP, "45". Não gravaram oficialmente até 85, mas, num fenômeno análogo ao que ocorre hoje em dia com as mp3, ficaram famosos só através de fitas que eram copiadas individualmente, boca-a-boca, e distribuídas por TODA a URSS. A cara de menino mal e rebelde de Tsoi ajudava e muito, sendo que até hoje ele é sex symbol até pra menininhas de 15 anos.

A glasnost facilitou as coisas para a banda, que já era conhecida por criticar abertamente o governo soviético (embora Tsoi não gostasse muito do teor ideológico das manifestações juvenis que levaram ao fim brusco da URSS) e transformou-se em um ícone da rebeldia juvenil em todo o país. O álbum "Gruppa Krovi", "Grupo de Sangue", provocou um fenômeno conhecido como "kinomania". Um mega-show realizado em 1990 no Estádio Luzhniki, em Moscou, levou 65 mil pessoas a prestigiar naquele que seria a maior, e a última, performance ao vivo.

Tsoi havia terminado de gravar os vocais do novo álbum do Kino no verão de 1990 em Riga, hoje Letônia, e pegou o carro para voltar a Leningrado para gravar o instrumental com o resto da banda. Pouco tempo depois de deixar a área urbana, bateu violentamente contra um ônibus e morreu na hora. O estrago foi tão grande que até hoje um dos pneus não foi encontrado. No entanto, as fitas originais com os vocais estavam intactas, e deram origem ao último álbum antes do fim definitivo do Kino, "Chorniy albom", o "Álbum Negro". Até hoje, eles são referenciados de maneira semelhante ao que o Legião Urbana é para o Brasil.

E musicalmente, até que são parecidos. :P

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